Entrevista | Shannan Ho Sui

Shannan Ho Sui é diretora do Centro de Bioinformática Harvard Chan e investigadora principal no Departamento de Bioestatística da Escola de Saúde Pública Harvard T.H. Chan. É também membro afiliado do corpo docente do Instituto de Células Estaminais de Harvard, onde desenvolve investigação colaborativa e interdisciplinar.
Tendo-se formado em bioquímica e ciências informáticas, Ho Sui encontrou o seu caminho para a bioinformática durante o seu doutoramento em genética na Universidade da Colúmbia Britânica. A sua investigação abrange a sequenciação de alto desempenho, a regulação dos genes transcricionais e a integração de dados multiómicos, com especial incidência na transcriptómica e epigenómica de uma única célula.
É apaixonada pela promoção da inovação através da colaboração e lidera os esforços para integrar métodos computacionais na investigação biomédica, fazendo avançar áreas como a genómica do cancro e a imunoterapia.
No Centro de Bioinformática Harvard Chan, aposta em promover a ciência reprodutível, aumentando o acesso a ferramentas de primeira linha e promovendo o desenvolvimento de fortes redes interdisciplinares.
O que a motivou a seguir uma carreira em bioinformática depois de ter concluído o doutoramento em Genética na Universidade da Colúmbia Britânica?
Comecei durante a minha licenciatura, estudando bioquímica com o objetivo de ir para a faculdade de medicina. No último ano do meu curso de bioquímica, comecei a aplicar alguns métodos de bioinformática para estudar arqueobactérias, o que me surpreendeu e intrigou com a capacidade de utilizar ferramentas computacionais para ajudar a responder a algumas das principais questões biológicas que estávamos a explorar. Nessa altura, a bioinformática estava a emergir como uma disciplina própria.
Acabei por tirar uma segunda licenciatura em ciências informáticas porque estava intrigada com estes algoritmos. Enquanto lá estava, conheci a Dra. Fiona Brinkman, uma investigadora na área das doenças infeciosas que trabalha em genómica de agentes patogénicos e que consta da lista dos “100 melhores inovadores do mundo com menos de 35 anos” da revista Technology Review do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ela incentivou-me a candidatar-me a um doutoramento em bioinformática num novo programa multidisciplinar de pós-graduação em bioinformática que a Universidade da Colúmbia Britânica e a Universidade Simon Fraser estavam a criar em conjunto.
Na sua perspetiva, como pode a bioinformática ter um efeito impulsionador na descoberta de novos tratamentos para o cancro?
Trabalho na Escola de Saúde Pública e também estou afiliada à Escola Médica de Harvard. Muito do que fazemos destina-se a responder a questões de investigação básica que nos ajudam a compreender melhor um sistema ou o desenvolvimento de uma doença. Trabalhamos em estudos destinados a compreender a variação genómica, as alterações na expressão e regulação dos genes, e tentamos também identificar potenciais alvos de medicamentos – quer se trate de genes imunossupressores ou de diferentes alvos do cancro –, mas também de estratificar os doentes com base nos seus antecedentes genéticos únicos.
A bioinformática permite-nos integrar dados de diferentes tipos – tais como dados genómicos, informação transcriptómica (para examinar os padrões de expressão tanto a nível do tecido como do tipo de célula), dados proteómicos e dados clínicos. Esta integração ajuda-nos a compreender os mecanismos do cancro e também a identificar biomarcadores, permitindo uma deteção mais precoce ou o desenvolvimento de novos tratamentos.
Relacionado com isto, há a imunoterapia, que analisa a forma como o sistema imunitário interage com o cancro. A bioinformática desempenha um papel fundamental na partilha e curadoria de dados – promovendo a colaboração entre médicos e investigadores – e permitindo o desenvolvimento de novas ferramentas, incluindo a aprendizagem automática e a IA, que tiram partido de toda esta informação científica.
Quais são os principais desafios que enfrenta como Diretora do Centro de Bioinformática Harvard Chan?
Um dos principais desafios – mas também algo que considero muito agradável – é a colaboração interdisciplinar. Como diretora de um centro, preciso de ser capaz de facilitar a comunicação e a colaboração eficazes entre biólogos, cientistas da computação e clínicos. Mesmo quando trabalham em problemas semelhantes, estes profissionais tendem a “falar” linguagens científicas ligeiramente diferentes, o que pode constituir uma barreira.
Outro desafio é acompanhar os rápidos avanços, especialmente os novos métodos e tecnologias que estão a ser desenvolvidos. No Centro de Bioinformática Harvard Chan, temos de nos manter atualizados porque queremos democratizar o acesso dos investigadores a métodos inovadores. Manter-se a si próprio e à sua equipa atualizados é uma componente essencial da gestão de um núcleo de bioinformática.
Como centro, também é nossa responsabilidade garantir que as análises sejam reproduzíveis. Por isso, é dada uma grande ênfase à promoção de práticas que apoiem a reprodutibilidade na investigação bioinformática, bem como a uma gestão robusta dos dados, para fornecer informações fiáveis aos nossos investigadores.
Em Portugal, as instituições de investigação como o RISE abrangem várias áreas de investigação sem necessidade de integrar todos os investigadores num único grande centro de investigação. Trata-se de uma fusão de conhecimentos de diferentes instituições e disciplinas. Considera que este modelo descentralizado e baseado em redes é uma vantagem ou um desafio em comparação com o modelo tradicional dos grandes centros de investigação? Como é que os centros de bioinformática, como os das universidades, se podem adaptar e beneficiar melhor desta estrutura?
Trabalhei muito com o Instituto de Células Estaminais de Harvard, que é essencialmente um instituto virtual – muito semelhante ao RISE – na medida em que é composto por várias instituições e disciplinas. Penso que há muito poder nisto. Obtém-se uma experiência muito diversificada e o facto de se ter estas diferentes perspetivas promove a inovação e permite abordar problemas complexos.
Outra vantagem é a partilha de recursos. Estas estruturas descentralizadas permitem que cada instituição beneficie de recursos coletivos, o que ajuda a estabelecer redes de colaboração fortes e incentiva o desenvolvimento de ideias inovadoras.
Na investigação oncológica, os chamados “wet labs” (laboratórios para experimentação com amostras biológicas ou química) são tradicionalmente os que recebem a maior parte do financiamento e do reconhecimento, enquanto a bioinformática e a biologia computacional são frequentemente subfinanciadas e encaradas com ceticismo. Este facto levou a que menos investigadores se especializassem em bioinformática, apesar da sua importância crescente. Considera que este desequilíbrio de financiamento e o ceticismo estão relacionados? Como podemos colmatar esta lacuna para garantir que a bioinformática é mais bem integrada e valorizada na investigação translacional em oncologia?
A investigação que se realiza nos laboratórios tradicionais, de experimentação com amostras biológicas ou químicas, produz frequentemente resultados mais tangíveis e imediatos – dados visuais, amostras físicas ou relevância clínica direta –, o que pode fazer com que pareça mais “real” ou fiável, especialmente para os financiadores e investigadores não familiarizados com métodos computacionais. Esta perceção pode marginalizar involuntariamente a bioinformática, apesar de esta ser essencial para dar sentido a conjuntos de dados complexos, identificar padrões e orientar o design experimental. Uma parte significativa do ceticismo resulta de uma falta de compreensão das capacidades e do rigor da biologia computacional. Muitos ainda a veem como uma ferramenta suplementar e não como um motor de descoberta por direito próprio.
Para colmatar esta lacuna, temos de promover colaborações interdisciplinares mais integradas, em que os bioinformáticos estejam envolvidos desde o início – e não apenas depois de os dados terem sido recolhidos. Os projetos conjuntos que realçam a forma como os conhecimentos computacionais podem moldar hipóteses, aperfeiçoar o enfoque experimental ou revelar descobertas clinicamente viáveis são fundamentais. Além disso, as agências de financiamento devem considerar incentivar estas colaborações e apoiar programas de formação que equipem os investigadores com literacia computacional e experimental. Esta abordagem dupla pode ajudar a mudar a cultura e a elevar o papel da bioinformática na investigação translacional do cancro.