Entrevista | Rafael José Vieira

Investigador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS@RISE) e Assistente Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)
Rafael José Vieira é investigador do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS@RISE), tendo realizado toda a sua formação superior na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Recentemente, concluiu o doutoramento em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde, tornando-se no primeiro estudante de doutoramento apoiado pelo Laboratório Associado RISE a concluir este ciclo de estudos.
Na tese “Using real-world and secondary data to estimate the global burden of allergic rhinitis”, Rafael José Vieira deu continuidade ao trabalho científico que tem vindo a fazer no âmbito da rinite alérgica, doença crónica que quer aprofundar nos seus futuros trabalhos de investigação.
Para o investigador, o apoio dado pelo RISE foi uma vantagem, uma vez que este garante “multidisciplinaridade”, através das diferentes Unidades de Investigação que constituem o Laboratório Associado, possibilitando ainda frequentes colaborações internacionais.
O que o motivou a seguir a carreira médica e, posteriormente, a enveredar pelo doutoramento em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde?
A opção por seguir Medicina não foi óbvia. Desde criança, sempre tive interesse por diferentes áreas. Lembro-me perfeitamente de, na escola primária, querer ser astrónomo. No entanto, apesar de gostar de Matemática, nunca senti ter uma aptidão natural para o raciocínio matemático. Isso fez-me reconsiderar a opção pela Física. Ao mesmo tempo, durante o secundário, fui adquirindo um interesse crescente pela biologia humana. Por isso, quando chegou a altura de escolher, achei que, em vez de aprender sobre o funcionamento do universo, podia aprender sobre o funcionamento do corpo humano. Daí veio a opção pela Medicina, mas sempre com intenção de uma carreira na investigação. Atendendo ao meu interesse quantitativo, findo o curso e depois de fazer o meu Internato de Formação Geral, o Programa Doutoral em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde possibilitava conjugar uma forte vertente quantitativa com a possibilidade de fazer investigação clínica aplicada. Para além disso, é um Programa Doutoral já com larga história e sucesso na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, pelo que, para mim, a escolha foi relativamente simples.
Qual o foco principal da sua tese de doutoramento e as suas principais conclusões?
A minha tese de doutoramento focou-se no estudo do impacto da rinite alérgica com recurso a dados secundários (também frequentemente conhecidos como dados do “mundo real”). Em particular, utilizando dados dos utilizadores de uma aplicação móvel para doentes com rinite alérgica, o MASK-air. Esta é uma aplicação disponível de forma gratuita em 30 países, classificada como uma Boa Prática pela Direção-Geral de Saúde e Segurança Alimentar (DG SANTE) no âmbito dos cuidados digitais centrados no doente, dirigidos à multimorbilidade em rinite e asma. Além disso, é uma das 13 Melhores Práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em cuidados integrados para doenças crónicas. Felizmente, a longa colaboração de elementos do Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do RISE-LA com a equipa por trás do MASK-air, em particular com o Professor Jean Bousquet, permitiram ter acesso a uma enorme quantidade de dados reportados diretamente por pacientes com rinite alérgica, utilizando questionários validados para avaliar o impacto desta doença em múltiplos domínios da vida destes doentes. No geral, constatámos que a rinite alérgica tem um importante impacto na produtividade académica, laboral e na qualidade de vida destes pacientes, especialmente quando não está adequadamente controlada, em pacientes com rinite alérgica e asma. Em termos de produtividade, verificámos que os doentes com rinite alérgica não faltam particularmente às atividades letivas ou ao trabalho, mas a sua produtividade pode estar muito reduzida, com importantes custos para a sociedade (em Portugal, um doente com rinite e asma mal controladas pode implicar custos semanais na ordem dos 250€ por paciente).
O que o motivou a explorar o tema da rinite alérgica e a estimar a sua carga global?
A rinite alérgica é uma doença crónica altamente prevalente e que afeta todas as idades, mas frequentemente subvalorizada pelos doentes e até pelos próprios profissionais de saúde. Há uma grande falta de informação sobre o impacto da rinite alérgica, especialmente de acordo com o nível de controlo da doença. Foi isso que, em última instância, me levou a escolher este tema de doutoramento.
Como foi a transição de estudante de Medicina para investigador e docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto?
Foi uma transição muito fácil, até porque aconteceu enquanto ainda era estudante de Medicina. Felizmente, existe na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto uma grande abertura para que os estudantes que assim o desejem possam colaborar em atividades de investigação ou docência. Eu tive a sorte de o poder fazer logo desde o primeiro ano do curso, quando, em colaboração com docentes e investigadores do Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde, pude levar a cabo um trabalho que culminou com a publicação do meu primeiro artigo científico, durante o meu segundo ano do curso. Também desde muito cedo me envolvi na docência. É claro que só depois do curso concluído, e quando optei por abandonar completamente uma eventual carreira clínica para me dedicar à investigação e docência, é que a minha atividade, quer na docência quer na investigação, se intensificou. Mas, como digo, nessa altura já “conhecia relativamente bem os cantos à casa” e a transição foi totalmente natural. Neste aspeto, só tenho a agradecer pelas oportunidades que me foram dadas na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Quais foram os principais desafios que enfrentou durante o seu doutoramento e como os superou? Como descreveria a sua experiência enquanto doutorando no RISE-LA?
Tenho sorte, porque, uma vez ultrapassada a dificuldade do financiamento com uma Bolsa de Doutoramento atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, não senti que tivesse de enfrentar particulares desafios. O Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde (MEDCIDS) da FMUP, o RISE-LA, e, em particular, a minha equipa de orientação, constituída pelos Professores Bernardo Sousa Pinto, João Fonseca e Luís Filipe Azevedo, sempre garantiu que eu tinha todas as condições necessárias à conclusão do meu doutoramento. Fazer o doutoramento numa Faculdade como a FMUP e estar num Laboratório Associado como o RISE-LA tem muitas vantagens, pela multidisciplinaridade e pelo funcionamento em rede, abrangendo múltiplas instituições e com frequentes colaborações internacionais.
Agora com o doutoramento concluído, qual o seu próximo objetivo enquanto investigador?
Tenho muitos objetivos. No contexto do meu doutoramento, foi-me dada a oportunidade de ser metodologista na atualização das guidelines Allergic Rhinitis and Its Impact on Asthma (ARIA). O primeiro objetivo para 2025 é terminar as guidelines ARIA, que serão as primeiras guidelines centradas no paciente, digitais e assistidas por inteligência artificial na rinite alérgica. No contexto do trabalho que temos vindo a desenvolver nas guidelines ARIA, tenho estado também envolvido com o GRADE Working Group, em particular com o grupo de interesse sobre Saúde Planetária. Os sistemas de saúde têm um importante impacto ambiental e, atendendo à ameaça climática que enfrentamos, é cada vez mais importante que sejam desenvolvidos métodos para ter em conta o impacto na saúde planetária das diferentes intervenções médicas, para além das habituais considerações sobre os benefícios, riscos e custo-efetividade dessas mesmas intervenções. Este é um tema que me diz muito e em que espero poder fazer desenvolvimentos durante este ano. Por fim, espero também dar continuidade aos trabalhos do meu doutoramento. Há já alguns trabalhos que tenho em mente ainda com base em dados do MASK-air e que espero poder começar durante este ano.
Fotografia: Unidade de Gestão de Comunicação – FMUP