Investigação nacional identifica novo preditor de necessidade de transfusão após cirurgia cardíaca
Novo estudo identifica o papel do tempo de coagulação ativado na necessidade de transfusão pós-operatória
Uma equipa de investigadores portugueses detetou que o tempo de coagulação ativado (ACT) tem uma forte ligação com a ocorrência de hemorragia pós-operatória e permite prever a necessidade de transfusão após cirurgia cardíaca.
De acordo com o estudo, cerca de 60% dos doentes submetidos a este tipo de intervenção necessitam de, pelo menos, uma transfusão de sangue. “A cirurgia cardíaca é um dos principais motivadores do recurso a transfusões, a nível mundial”, pode ler-se no artigo onde também é destacado o impacto do recurso a estes procedimentos no que diz respeito à morbidade a curto e longo prazo.
“O ACT é um teste realizado à cabeceira do doente que permite avaliar as condições de anticoagulação do doente para entrar em circulação extracorporal (CEC)”, aponta Tiago Velho, investigador do RISE – Rede de Investigação em Saúde (CCUL@RISE), acrescentando que, apesar do seu impacto, “existe consenso quanto ao valor-alvo de tempo de coagulação activado (ACT) para iniciar a CEC, mas não existem recomendações que digam com certeza ou com validade científica qual é o valor do ACT recomendado no final da cirurgia”.
O estudo, que incluiu doentes submetidos a cirurgia cardíaca com CEC entre janeiro de 2018 e outubro de 2021, realça que perdas de sangue severas ocorrem em 10% dos doentes submetidos a cirurgias cardíacas, com cerca de 30% dos doentes necessitando de transfusões de sangue. A elevada taxa de utilização e o seu impacto justifica a necessidade de conduzir estudos que otimizem a sua utilização.
De forma a dar resposta a esta lacuna, os investigadores propõem a utilização de um valor definido de ACT como preditor de hemorragias e necessidade de transfusões de sangue após cirurgia. Tal acontece porque este é “um teste que é feito à cabeceira do doente, com resultados em poucos segundos, e realizado na fase final da cirurgia de forma a avaliar o nível de reversão da anticoagulação”, explica o especialista.
Na investigação, os especialistas realçam que os pacientes do sexo masculino têm maior risco de desenvolver hemorragia pós-operatória significativa. O sexo feminino, por sua vez, tem mais necessidade de transfusões de sangue após cirurgia. O sexo feminino tem sido associado a maior risco de mortalidade e ocorrências não fatais, como enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral, algo que é também referido por um recente estudo norte-americano.
De acordo com o investigador do Laboratório Associado, “não existe propriamente uma justificação concreta para que tal aconteça, mas é factual e vários estudos têm vindo a ser unânimes em demonstrar um maior risco de mortalidade e morbilidade nas mulheres que são submetidas a cirurgia cardíaca”, indica, mencionando ainda que “existem alguns pressupostos, nomeadamente no campo da própria patologia cardíaca, em que, muitas vezes, as mulheres têm uma patologia mais grave, na maior dificuldade no acesso à saúde, ou por condicionantes biológicas, como por exemplo a perda, através da menopausa, dos efeitos de algumas hormonas cardioprotetoras”, esclarece o especialista.
Na visão de Tiago Velho, para reduzir o recurso à transfusão de sangue é necessário “apostar numa melhor otimização no pré-operatório e tentar perceber em que contexto é que estas hemorragias acontecem e que ferramentas podemos utilizar para tentar minimizar ao máximo tanto a hemorragia como a necessidade de uso de transfusões”, conclui.
O artigo “Activated clotting time value as an independent predictor of postoperative bleeding and transfusion” contou com a participação de Tiago R. Velho, investigador do Laboratório Associado RISE (CCUL@RISE) e Rafael Pereira, da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha. Especialistas do Hospital de Santa Maria e Instituto Gulbenkian de Ciência também assinam o estudo.