Investigação nacional analisa impacto do recurso à circulação extracorporal na falência de órgãos após cirurgia cardíaca
Um estudo desenvolvido pelo RISE – Rede de Investigação em Saúde, através do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL), analisou o impacto que o recurso à circulação extracorporal (CEC), técnica que assegura as funções do coração e pulmões em cirurgias de coração aberto e transplantes de coração, pode ter na falência de órgãos.
Através de uma investigação que contou com a participação de 1032 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca com circulação extracorporal entre 2017 e 2019, os investigadores do Laboratório Associado concluíram que doentes com maiores períodos de utilização da circulação extracorporal têm maior probabilidade de entrar em falência de órgãos, de acordo com a Avaliação Sequencial da Falência de Órgãos (SOFA), escala “utilizada internacionalmente no contexto das unidades de cuidados intensivos cardíacas”, explica o investigador Tiago Velho (CCUL@RISE).
No estudo publicado na revista Interdisciplinary CardioVascular and Thoracic Surgery, os investigadores verificaram que a escala SOFA “classifica diretamente a lesão de órgão induzida pela circulação extracorporal, o que nos permite ter uma ferramenta que quantifica a disfunção associada a cada doente e que é induzida por esta técnica”, explica Tiago Velho, mencionando ainda que este processo “permite estratificar melhor os doentes, definir melhor os planos de tratamento e perceber como podemos prevenir a disfunção de órgão”.
Segundo os investigadores, os sistemas cardíaco, renal e respiratório são os mais afetados pelo recurso à circulação extracorporal. “Pela característica inerente da circulação extracorporal, que no fundo substitui a função do coração e dos pulmões, que são órgãos que vão estar parados durante a cirurgia, estes vão ser os primeiros órgãos a ser afetados”, explica o investigador, acrescentando que o rim é também afetado, uma vez que “existe uma ligação estabelecida entre o funcionamento e fisiologia do coração e do rim”.
De acordo com o estudo, o recurso à circulação extracorporal “induz uma síndrome de resposta inflamatória sistémica com contribuições multifatoriais, incluindo trauma cirúrgico, isquemia e reperfusão, disfunção endotelial, hemólise e trombose”.
No entanto, apesar do seu impacto, “esta técnica é essencial para a realização destes procedimentos valvulares e coronários”, esclarece o especialista, reforçando a necessidade de conhecer o impacto do recurso à mesma. “Quanto melhor soubermos que danos a circulação extracorporal provoca, melhor podemos prevenir a disfunção que esta induz”, aponta o investigador do Laboratório Associado RISE.
Na visão do especialista, para reduzir a falência de órgãos, é necessário caracterizá-la melhor. “Nós sabemos que a falência de órgãos ocorre, mas não conseguimos caracterizar em que contextos e como a podemos medir”, diz, acrescentando que, “pela primeira vez, “nós mostramos uma ferramenta direta para medir a falência de órgão, algo que não existia até agora, apesar do impacto da circulação extracorporal”.
O artigo “The impact of cardiopulmonary bypass time on the sequential organ failure assessment score after cardiac surgery” contou com a participação de Tiago R. Velho, Ricardo Ferreira e Ângelo Nobre, investigadores do Laboratório Associado RISE (CCUL@RISE). Especialistas do Hospital de Santa Maria, Instituto Gulbenkian de Ciência, Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL) também assinam o estudo.