Entrevista | Susana Constantino – Diretora Executiva do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL)

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Susana Constantino (CCUL@RISE), Diretora Executiva do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL), deu os seus primeiros passos enquanto investigadora na área da Oncologia.

Apesar de desde cedo ter demonstrado um fascínio pela ciência aplicada à saúde, a Medicina nunca fez parte dos seus planos.

Em 1997, concluiu o curso de Biologia Microbiana e Genética, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, tendo, mais tarde, rumado a França, onde se doutorou em Bases Fondamentales de l’Oncogénèse, na Universidade de Paris 7. Seguiu-se o pós-doutoramento no Instituto Português de Oncologia de Lisboa e no Instituto Gulbenkian Ciência, em Oeiras.

Susana Constantino afirma que sempre teve “uma vocação natural para ser professora”, vocação essa que acabou por se concretizar na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), instituição onde concilia a carreira de docente com a investigação, algo que considera ser a concretização de um objetivo.

Conta com um longo percurso enquanto docente e investigadora, mas, antes da docência e da investigação, há sempre o lado humano. Onde nasceu? Como foi a sua infância?

Nasci em Lisboa e a minha infância foi sempre pautada por muito amor e segurança. Vivia com os meus pais e o meu irmão, dois anos mais velho que eu. A casa dos meus avós era diariamente o nosso porto seguro. Era com eles que eu e o meu irmão passávamos os nossos dias, até começarmos a escola, com seis anos de idade, e sempre foi para esta casa que íamos após as aulas e onde aguardávamos pelos nossos pais para depois, então, irmos juntos para casa. Lembro-me de uma infância sempre muito feliz, havendo tempo para tudo: para momentos de brincadeira (e eles eram muitos), para viver experiências novas, para aprender… Organização, disciplina, noção de prioridades, noção de sacrifício por algum objetivo que se queria alcançar, uma liberdade orientada e sempre alicerçada em alguns princípios de que os meus pais não abriam mão e que eu mais tarde, enquanto mãe, também sigo. Estes foram alguns ingredientes que sempre estiveram presentes na minha infância. Tendo nascido no seio de uma família crente, cresci centrada numa educação bíblica, e isso foi muito importante para mais tarde, enquanto adulta, fazer a minha escolha pessoal e em consciência. Os meus pais, cada um com suas qualidades e personalidades distintas, foram um exemplo para mim, enquanto criança, e esse exemplo foi muito importante para me tornar a pessoa que me tornei a todos os níveis na minha vida.

Durante o seu percurso, como surgiu o interesse pela Medicina?

Sempre gostei muito da área de ciências e, embora fosse muito boa aluna em matemática, fascinou-me, desde muito cedo, o gosto pela área da ciência aplicada à saúde. Não queria ser médica e isso esteve sempre muito claro, pois, para mim, o fascinante era desenvolver o tratamento, mais do que aplicar o tratamento; era descobrir novas ferramentas de cura, mais do que usar as ferramentas já existentes. Já adolescente, acreditava convictamente na importância da Biologia Molecular e Celular para alcançarmos ferramentas muito mais eficazes. Nesta altura já queria seguir Biologia como primeira escolha, muito focada na saúde e na investigação translacional com vista à sua aplicabilidade clínica. Hoje, fazer investigação, numa faculdade médica, dentro de um campus hospitalar, e partilhar o meu conhecimento, enquanto docente, com as novas gerações é a concretização, não diria de um sonho, mas de um objetivo pelo qual lutei desde muito nova.

Como surgiu a investigação na sua vida?

A investigação entrou muito cedo na minha vida e, na verdade, logo no segundo ciclo, quando contactamos de forma mais profunda com a disciplina de ciências, investigar e conhecer mais e melhor era algo que me fascinava. Mas mesmo durante o 1º ciclo, fui uma criança muito motivada a interagir com muitas pessoas, a fazer muitas perguntas e a experimentar, e isso é muito importante. Mais tarde, foi de facto devido à Investigação que optei por fazer a licenciatura em Biologia. Fazer investigação foi sempre o propósito. Mas a investigação de forma real e vivida entrou na minha vida no 5º ano da licenciatura em Biologia, na FCUL, quando ganhei uma bolsa ERASMUS e fui para uma Unidade de Investigação INSERM, na área de cancro, área que sempre me fascinou pela complexidade e desafio que constituía e ainda hoje constitui e que fisicamente se encontrava no campus do Hospital Cochin, em Paris. Essa experiência validou que a investigação era profissionalmente o caminho que eu iria querer trilhar e continuei para doutoramento naquele mesmo local. Contudo, acho que tinha uma vocação natural para ser professora, talvez herdada pela grande professora que tinha em casa, a minha mãe, e a junção da investigação e docência era o meu objetivo.

O seu percurso na investigação centrou-se no cancro. Como surgiu o convite para integrar o Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL)?

A área do cancro foi sempre aquela que esteve presente no meu doutoramento e, quando comecei o meu pós-doutoramento, integrei uma equipa de investigação que trabalhava em Angiogénese Tumoral. Após formar a minha própria Unidade de Investigação, já enquanto docente na FMUL, inicialmente integrada no iMM, mantive esta área, mas muito aplicada aos efeitos da radiação ionizante (uma das principais ferramentas no combate ao cancro) nos vasos sanguíneos. Foi depois que os resultados da nossa investigação se mostraram promissores na área de neovascularização terapêutica e importantes na área da Cardio-oncologia que, em 2018, aceitei o desafio de integrar o Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL), enquanto investigadora principal, dirigindo a Unidade de Angiogénese e como Diretora Executiva do CCUL.

A Susana Constantino é, desde 2018, a Diretora Executiva do CCUL. Em que se centra o vosso trabalho? Que desafios vive enquanto líder da CCUL?

O Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL) é um dos centros de Investigação da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e o seu foco é na área cardiovascular. O CCUL assenta em três grandes pilares: a Investigação, a Clínica e a Educação Médica. Em setembro de 2018, o CCUL passou por uma profunda reestruturação no seu modo de funcionamento, adotando uma estrutura e organização que lhe permitiram enfrentar novos desafios de forma mais robusta e eficiente, ser mais competitivo e atrair mais financiamento nacional e internacional. Estes têm sido alguns dos desafios enquanto sua diretora executiva. É fundamental que o nosso trabalho permita desenvolver investigação que traga um contributo importante relativo à compreensão das doenças cardiovasculares, desde os mecanismos subjacentes até às opções de tratamento e prevenção, e que incorpore os avanços tecnológicos e desenvolva novas ferramentas, sendo a imagem e a medicina de precisão um exemplo, para melhorar o diagnóstico e o tratamento. Por outro lado, muitos são os nossos investigadores que são professores na nossa faculdade e contribuem para a formação de uma nova geração de médicos e investigadores. Por fim, enquanto Diretora Executiva do CCUL tem sido um dos meus objetivos que os nossos investigadores participem, organizem e desenvolvam ferramentas inovadoras na literacia em saúde cardiovascular com o objetivo de sensibilizar e educar a sociedade e desta forma termos um papel ativo e crucial a nível da prevenção da doença cardiovascular.

Na sua perspetiva, qual a importância da criação de uma Rede de Investigação em Saúde? Que impacto pode o Laboratório Associado RISE poderá ter no setor da saúde e na investigação ligada a esta temática?     

Uma Rede de Investigação em Saúde é crucial para promover avanços na ciência e na prática da saúde, melhorando a qualidade de cuidados e contribuindo para o bem-estar da sociedade como um todo. Ao reunir diferentes instituições, investigadores, profissionais de saúde, uma Rede de Investigação facilita sempre a colaboração entre todos os seus membros, promovendo sinergias, partilhas de conhecimento. As questões serão abordadas de um ponto de vista multidisciplinar, fundamental para surgirem novas ideias e sermos muito mais eficazes na solução de um problema. Soluções inovadoras contribuirão para avanços na saúde, os quais reduzirão os custos, representando um benefício económico, com um aumento da qualidade de vida da população. Claro que é igualmente importante pensar na partilha de recursos físicos como equipamentos, bases de dados que permitirão, a cada um, fazer melhor, com maior qualidade. Uma Rede de Investigação em Saúde conseguirá também uma melhor comunicação com o sistema de saúde e decisores políticos e isso é fundamental se queremos ver a implementação prática dos resultados da nossa investigação, de forma a melhorar a saúde pública. Ao vivermos uma emergência, como uma pandemia, uma Rede de Investigação poderá sempre responder de forma mais eficaz e coordenada. Sendo eu também professora na FMUL, não posso deixar de referir as muitas oportunidades de formação para jovens investigadores e profissionais de saúde que surgem com uma Rede de Investigação.

Todos estes aspetos que frisei estão contemplados quando penso na importância de se ter criado o Laboratório Associado RISE e o impacto que tem e que terá na investigação e no setor da saúde. O RISE permitirá uma simbiose nas suas principais áreas, e lembro a cardiovascular, a oncologia, epidemiologia, doenças inflamatórias, passando, sem dúvida, pela área digital. Esta simbiose será fundamental para sermos mais fortes, com maior capacidade de intervenção e mais competitivos, quer a nível nacional, quer internacional.

Que desafios sentiu, enquanto investigadora, ao integrar o Laboratório Associado? O que mudou no CCUL?  

Termos tido a oportunidade de estabelecer este consórcio e formarmos este Laboratório Associado foi para mim, enquanto investigadora, algo muito importante, pois vi e vejo desde logo um enorme potencial numa estrutura que vem integrar centros de investigação que pertencem a duas faculdades médicas, como a FMUL e FMUP, e o centro de investigação do IPO-Porto. Concretizando à área cardiovascular, essa fica, sem dúvida, beneficiada, pois este consórcio permitirá uma melhor organização, estrutura e consequentemente sinergia entre o CCUL e a UnIC, duas unidades de investigação nesta temática. Esta estrutura e organização vêm enriquecer e fortalecer algo que já existia e que é fundamental na investigação que é a partilha do saber e as colaborações. Sempre estivemos predispostos a esta colaboração, mas agora fazemo-lo com uma maior articulação. O CCUL mantém a sua independência, tal como todas as Unidades que integram o RISE, mas estamos em rede com todos os benefícios que isso acarreta e que já tive oportunidade de partilhar nesta entrevista. Estarmos em rede, em comunicação, a trabalhar para os mesmos objetivos faz-nos ser mais fortes certamente e ter maior capacidade de implementar os resultados da nossa investigação para melhorar a saúde humana.