Entrevista | Elisa Keating

Entrevista | Elisa Keating
Investigadora do Laboratório Associado RISE, da Unidade de Investigação RISE-Health e Professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)
Elisa Keating é investigadora do Laboratório Associado Rise e da Unidade de Investigação RISE-Health, onde lidera a Linha Temática 7 – Cuidados Comunitários e Prevenção (Community Care & Prevention). É tambémProfessora Catedrática na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (1999), concluiu o Doutoramento em Biologia Humana na FMUP, em 2008.
Dedica, desde 2016, o seu trabalho ao estudo do estado nutricional durante a gravidez (projeto IoMum) e a infância (projeto Iogeneration) e do efeito que micronutrientes e não-nutrientes têm na saúde e na programação fetal. Bioquímica nutricional, metabolismo e programação fetal são o seu foco de investigação.
Durante o seu percurso enquanto investigadora, assinou 58 artigos científicos e 11 capítulos de livros.
Começou o seu percurso académico ao ingressar na licenciatura em Bioquímica, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. O que a motivou a escolher esta área?
Sempre achei fascinante conhecer o funcionamento do corpo humano, desde a partícula mais pequena até ao organismo como um todo. Acho que procurei na Bioquímica um caminho para aprofundar esse conhecimento. A Bioquímica acabou por ser muito mais do que isso – ajudou-me a conhecer o que já se sabia, mas, talvez mais fascinante ainda, fez-me saber procurar o desconhecido, ensinou-me a fazer perguntas e a estruturar o plano para encontrar respostas.
Durante o seu percurso, como surgiu o interesse pela investigação em metabolismo, nutrição e intervenção comunitária?
Quando comecei o meu percurso de investigação, fi-lo a par com o ensino da Bioquímica a estudantes de Medicina o que me fez estudar profundamente o metabolismo humano, ou seja, as reações químicas celulares e os mecanismos elegantíssimos que as células possuem para regular essas reações, para “decidirem” quando e com que velocidade uma dada reação deve ocorrer para garantir o equilíbrio, a homeostasia, a saúde. A forma como os componentes dos alimentos contribuem para esta regulação desde cedo me prendeu a atenção. Ao longo do tempo, fui percebendo que é possível colocar a Bioquímica ao serviço da comunidade e isso é a cereja no topo do bolo!
Perceber que moléculas vindas do ambiente ou dos alimentos determinam a nossa saúde e a nossa doença, desde o desenvolvimento embrionário até à velhice, e a forma como o fazem, ajuda a tomar decisões que melhoram a qualidade de vida das pessoas. É essa a beleza da investigação aplicada!
Ser investigadora foi algo que sempre fez parte das suas ambições?
A palavra “sempre” parece-me um pouco relativa. Quando era pequenina, perto dos 6 anos, queria ser professora (penso que como tantas outras crianças dessa idade), mas ser cabeleireira ou vendedora de sapatos também esteve na minha lista, nessa época. Com alguns anos de crescimento, fui construindo a vontade de investigar, de fazer perguntas e ir à procura de respostas. A motivação para ser investigadora cresceu com a ambição de acrescentar pelo menos uma peça ao puzzle gigante e complicado que é a saúde humana.
Como surgiu a oportunidade de integrar o Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) que, mais tarde, se fundiu com a Unidade de Investigação e Desenvolvimento Cardiovascular (UnIC) e outras Unidades de Investigação, para dar origem ao RISE-Health?
A minha integração no grupo ProNutri do CINTESIS surgiu naturalmente quando integrei a equipa do projeto Iogeneration, liderado pela investigadora Conceição Calhau. Foi um ponto de viragem muito importante na minha carreira de investigação, pela equipa que integrei, pela sua liderança com a qual aprendi muito do que sei hoje e também pelos incentivos e recursos de grande qualidade disponíveis no CINTESIS.
Na sua perspetiva, qual a importância da criação de uma Rede de Investigação em Saúde? Que impacto poderá ter o Laboratório Associado RISE no setor da saúde e na investigação ligada a esta temática?
A criação do Laboratório Associado RISE e da Unidade de Investigação RISE-Health vem marcar no panorama português a capacidade de executar investigação clínica multidisciplinar de elevada qualidade. Esta marcação e esta presença motivam o interesse público e o privado a promover a investigação clínica, a investir nesta área – até agora órfã em Portugal – e a procurar na nossa rede suporte científico para a tomada de decisões de políticas públicas de saúde. Por tudo isto, a criação do RISE é de uma importância inquestionável.
Que desafios sentiu, enquanto investigadora, ao integrar o Laboratório Associado?
A integração da equipa que construiu a candidatura do RISE-LA foi, em primeiro lugar, uma enorme honra. Estruturar o conceito científico subjacente a esta rede foi um desafio, mas a pertinência da criação do LA e a imensa motivação de toda a equipa fizeram com que todo o processo fosse fluido e natural. Pessoalmente, a responsabilidade de representar um grande número de investigadores, enquanto coordenadora de uma linha temática, é todos os dias um grande desafio.
Na sua perspetiva, o que é necessário fazer – ao nível da nutrição – para melhorar a saúde dos portugueses?
Acho que há três frentes de ação fundamentais para melhorar a saúde dos portugueses através da nutrição, todas elas diretamente dependentes de clarividência governamental.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer a importância central da nutrição como um seguro de vida com qualidade, principalmente na nossa população que está em franco envelhecimento. Este reconhecimento motivará o investimento sustentado na investigação em nutrição para estudar as formas como modula a nossa saúde e assim identificar estratégias eficientes que garantam o envelhecimento com qualidade.
Em segundo lugar, é urgente promover, estruturadamente e sustentadamente, a literacia da comunidade, não só sobre a nutrição, mas também sobre a investigação científica, e assim combater a ciência fácil e rápida e, simultaneamente, a desinformação.
A terceira frente de ação, urgentíssima, é facilitar o acesso da comunidade ao nutricionista, principalmente nos cuidados de saúde primários. Estes 3 objetivos são sinérgicos na promoção da saúde mas também da economia da saúde e devem ser por isso prioridade na agenda política.