Entrevista | Ana Teresa Maia

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Investigadora do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), líder da start-up expressTEC e docente da Universidade do Algarve (UAlg)

Ana Teresa Maia é investigadora do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) e Professora Assistente da Universidade do Algarve.

Desde cedo soube que queria ajudar pessoas e que o pretendia fazer através do estudo da genética. Apaixonada pela investigação, após concluir a licenciatura em Química Aplicada – Biotecnologia, Ana Teresa Maia rumou ao Reino Unido, país onde acabaria por fazer mestrado, doutoramento e aprofundar o seu percurso enquanto investigadora.
A especialista em cancro vê o Laboratório Associado como uma entidade que acompanha os seus investigadores e assegura a colaboração entre todas as Unidades de Investigação que o constituem.

A Ana Teresa Maia licenciou-se em Química Aplicada – Biotecnologia. Porquê a escolha desta área?

Eu sabia o que queria fazer, mas não sabia como lá chegar. Eu sabia que queria fazer investigação médica, centrada no cancro, e que envolvesse genética, paixão que começou durante o meu percurso no Ensino Secundário. Acredito que parte desta paixão tenha surgido porque, aos 16 anos de idade, fui mal diagnosticada com cancro enquanto via os dois avós a desaparecer com esta doença.
Houve um momento em que me apercebi que gostava muito de biologia e de medicina, mas sempre soube que não queria ser médica. A genética sempre foi uma área que me interessou, então, optei pela licenciatura que, na altura, tinha mais ligação a esta área, que era a de Química Aplicada na Universidade Nova de Lisboa.

Durante o seu percurso, como surgiu o interesse pelo setor da saúde?

O interesse pela saúde esteve sempre presente. O que eu queria era ajudar as pessoas, sem ser médica e sem ver pacientes. Só queria perceber porque é que as pessoas ficavam doentes e como é que podia ajudar e, portanto, sempre soube que ia ser cientista e investigadora.  Sabia que o meu lugar era no laboratório, a perceber doenças e a trabalhar para criar novas soluções.

Como surgiu a investigação e o interesse no cancro da mama?

O interesse pelo cancro da mama chegou mais tarde. Eu gostava de estudar o cancro, ponto final, é algo que a mim me fascina, até hoje, porque é como se fosse um parasita superinteligente que nasce dentro de nós. Depois de terminar a licenciatura, sabia que não ia ficar em Portugal e acabei por rumar ao Reino Unido, onde concorri a três mestrados. Fui aceite em todos, inclusive um em Cambridge, que recusei por não ser centrado em cancro. Confesso que chorei nesse dia, mas optei por ir para Londres, onde conheci um mentor que foi essencial para o resto da minha carreira.

Dois meses após ter chegado a Londres, sabia que queria fazer um doutoramento em cancro e, por indicação da minha diretora de mestrado, fui falar com a chefe de equipa do Institute of Cancer Research, que, na altura, tinha um trabalho interessante sobre a leucemia infantil. No final da entrevista, deu-me a oportunidade de falar com o diretor do centro de leucemia infantil, o Professor Sir Mel Greaves, com quem fiquei uma hora a falar e, no fim, quando saímos do seu gabinete, disse que eu ia fazer o doutoramento com ele. Ainda hoje é o meu mentor. A seguir aos meus pais, é a pessoa que mais definiu a minha vida.

Com ele, fiz uma tese de doutoramento em genética de leucemia de crianças e, portanto, comecei logo a trabalhar com aquilo de que eu gostava, que eram amostras reais de pacientes e tentar perceber porque é que aquelas crianças tinham cancro. Durante este período, fizemos, inclusive, diagnóstico de algumas crianças que eram gémeas, um tinha cancro o outro não, e nós dávamos a probabilidade de o segundo vir a ter a doença.

Após o doutoramento, voltar a Portugal não estava nos meus planos e, por isso, o meu orientador conseguiu-me uma entrevista com o Professor Sir Bruce Ponder, o meu ídolo científico de adolescência.

O meu orientador organizou uma ação de fundraising em Londres, na zona de Chelsea, onde o nosso instituto estava sediado e cuja população pertencia à classe alta, e convidou o investigador com quem eu queria trabalhar. Nessa noite, ao jantar, tive a oportunidade de me sentar ao lado do Professor Ponder e consegui o meu emprego em Cambridge, onde estive oito anos e meio.

A Ana Teresa Maia, enquanto investigadora, tem tido um papel ativo no setor empresarial, nomeadamente no lançamento da start-up expressTEC. Que desafios surgem, enquanto investigadora neste processo?

Os desafios não são menos do que na academia. A passagem da academia para o lado empresarial foi a evolução natural das coisas. O conhecimento que produzimos só tem valor se puder um dia chegar ao paciente. Deixar nas mãos de terceiros o desenvolvimento dos produtos gerados sobre o nosso conhecimento foi algo que quisemos mudar. Não há ninguém que consiga fazer melhor, pelo menos no desenvolvimento da tecnologia, do que nós.

A parte tecnológica até não é difícil, o que é difícil é a parte do negócio, é mudarmos o mindset e a velocidade de trabalhar. Portanto, como eu costumo dizer, nunca trabalhei tanto na vida como agora. E eu já trabalhava muito.
Felizmente, temos tido muito bom feedback e muito apoio a nível nacional e internacional, o que tem sido também uma surpresa agradável.

De facto, em 2023, esta start-up, que lidera juntamente com a investigadora Joana Xavier (CINTESIS@RISE/UAlg), venceu o Prémio Altice International Innovation Award 2023. O que significou esta distinção para si?

Receber estes prémios e ver a expressTEC em destaque é o reconhecimento do esforço. É sentirmos que, por um lado, há verdadeira necessidade daquilo que nós estamos a produzir. Se não houvesse, não tínhamos o mesmo reconhecimento que estamos a ter neste momento em termos de atenção e de apoio.

O prémio da Altice tem-nos dado imensa projeção, mas, após esse prémio, vencemos o Santander X, em Portugal, e depois ganhamos o do Santander X Global, em Barcelona.

Os convites para fazer parte do Women Leadership Programme da Agência Executiva para a Competitividade e a Inovação e do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia têm sido, igualmente, bons marcos do meu percurso enquanto investigadora.
Tem sido uma experiência incrível porque nos traz financiamento, mas também nos permite trabalhar o networking, que é algo fundamental.

Na sua perspetiva, qual é a importância da criação de uma Rede de Investigação em Saúde? Que impacto poderá o Laboratório Associado RISE ter no setor da saúde e na investigação ligada a esta temática?

Na Universidade do Algarve, embora houvesse outros colegas a trabalhar em cancro, não havia efetivamente uma coesão das linhas de investigação dentro do cancro, não havia uma coesão entre os investigadores. O RISE traz uma rede que nos permite trabalho em conjunto.

Esta rede faz-nos sentir acompanhados e seguros de que, dentro do RISE, existe alguém que já está a trabalhar determinado tema, algo que nos permite colaborar e trabalhar em prol da inovação. Nunca nos sentimos tão bem acompanhadas, uma vez que, através do RISE, sabemos que estamos à distância de uma chamada para obter ajuda em projetos de investigação.

Que desafios sentiu, enquanto investigadora, ao integrar o Laboratório Associado?

A distância é o principal desafio. Por outro lado, a tecnologia permite-nos colmatar essa dificuldade. Gostaria de estar mais próxima, mas sinto-me acompanhada cientificamente, que para mim é o mais importante.