Entrevista | Rita Pinto
Investigadora do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL@RISE) e do Laboratório de Exercício e Reabilitação Cardiovascular
Rita Pinto é investigadora do Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL) e Fisiologista do Exercício no Centro de Reabilitação Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CRECUL).
Apesar de estar, desde cedo, ligada à investigação em saúde e de ter centrado o seu trabalho em áreas como a reabilitação cardiovascular, Rita Pinto licenciou-se em Ciências do Desporto, tendo, posteriormente, concluído o grau de mestrado em Exercício e Saúde e de doutoramento em Atividade Física e Saúde na Faculdade de Motricidade Humana.
A investigadora vê o RISE – Rede de Investigação em Saúde como um “facilitador” no que diz respeito à colaboração entre especialistas e considera que o Laboratório Associado torna os seus investigadores “mais fortes” nas suas áreas de interesse.
Na investigação, centra os seus trabalhos na doença cardiovascular, reabilitação cardíaca, fisiologia do exercício, avaliação e prescrição de exercício físico, atividade física e comportamento sedentário.
A Rita Pinto começou o seu percurso académico nas Ciências do Desporto. Porquê a escolha desta área?
Eu sempre gostei de desporto e pratico desporto desde pequenina, tanto a nível individual como coletivo, tendo passado pela natação, judo, ténis, futsal e padel. O desporto sempre foi algo que esteve presente na minha vida.
Quando me candidatei à faculdade, tive dúvidas sobre a área que deveria seguir: se Desporto ou Farmácia. Optei por Desporto, mas, na minha cabeça, ser professora de educação física e/ou treinadora não eram opções, tendo seguido sempre um caminho mais ligado ao exercício e saúde.
Durante o seu percurso, como surgiu o interesse pelo setor da saúde e pela cardiologia?
Eu entrei na faculdade e tirei a licenciatura em Ciências do Desporto. Na altura passei por uma época de transição porque, quando entrei na licenciatura, sabia que o curso duraria cinco anos, mas depois ocorreu a transição de Bolonha e acabei por fazer três anos de licenciatura. Quando terminei, cheguei também a fazer um estágio num ginásio e, claramente, não me sentia preparada para, ao fim de três anos, estar a entrar tanto no mercado de trabalho, como numa área mais específica direcionada para a saúde. Segui para o mestrado em Exercício e Saúde e foi exatamente aí que comecei a perceber a minha ligação à cardiologia.
Tive, logo no primeiro ano, a disciplina de Reabilitação Cardíaca, que foi uma das que eu mais gostei, de tal forma que depois, no meu segundo ano de mestrado, altura em que tive de optar entre fazer estágio e dissertação, acabei por fazer os dois. Estagiei no Clube Coronário de Lisboa (Corlis), um programa de Reabilitação Cardíaca Comunitário e, simultaneamente, fiz a minha tese de mestrado em colaboração com o Hospital de Santa Marta, cujo tema se centrou na otimização da seleção de doentes para terapia de ressincronização cardíaca e o papel das provas de esforço cardiorrespiratórias.
Portanto, foi logo no meu segundo ano de mestrado que me comecei a focar mais na minha área de especialidade enquanto investigadora. No que diz respeito à cardiologia, na altura, as professoras Ana Abreu e Helena Santa Clara (orientadora de dissertação) apoiaram-me muito durante o mestrado. Após este ciclo de estudos, em 2014, ingressei no doutoramento e segui o meu caminho na investigação.
Como surgiu a investigação na sua vida?
Foi durante o Mestrado que surgiu o interesse pela investigação. No primeiro ano, tive uma disciplina muito direcionada para a Metodologia e Investigação Científica, de que gostei bastante. Tive professores muito bons que mostraram claramente a importância da investigação. No segundo ano, eu também colaborava muito com o Laboratório de Exercício e Saúde da Faculdade de Motricidade Humana, onde tinha o professor Xavier Melo, que sempre me cativou bastante para a área da investigação.
Antes de ingressar no doutoramento, acabei por colaborar em diversos projetos de investigação sempre virados para a promoção da saúde cardiovascular e avaliação aguda de diversos marcadores cardiovasculares a pessoas aparentemente saudáveis, com algum tipo de necessidade educativa especial ou doença cardiovascular. Em 2015, dei continuidade a esta ligação com a investigação ao ter colaborado, como investigadora, no Instituto Superior Técnico de Lisboa. No doutoramento, dediquei-me, naturalmente, à investigação. Enquanto me encontrava em doutoramento, tive a oportunidade de realizar uma visita observacional de seis semanas ao centro de reabilitação cardiovascular do Hospital de William Beaumont, Royal Oak, Michigan, com o Professor Barry Franklin, que foi certamente uma inspiração e experiência única, visto ser um professor e investigador muito conceituado na área da reabilitação cardiovascular.
Como surgiu o convite para integrar o Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL)? Que desafios surgem ao fazer parte de uma Unidade de Investigação totalmente dedicada à investigação em cardiologia?
Sinto-me muito honrada porque tanto no CCUL, como no RISE, asseguramos a existência de uma forte multidisciplinariedade entre diversas áreas de intervenção. Eu não sou médica, sou fisiologista do exercício e acabo por trabalhar muito com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de cardiopneumologia, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, ou seja, trabalhamos muito em cooperação.
Em 2020, depois de ter terminado o meu doutoramento, passei a integrar o estudo europeu “CoroPrevention”. Nessa altura, foi-me proposto ficar na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, como investigadora auxiliar convidada, passando também a colaborar com o CCUL, onde agora coordeno a unidade de investigação de exercício e reabilitação cardiovascular, algo que me acarreta ainda mais responsabilidades.
Existem sempre desafios diários, como estar ativamente a concorrer a financiamentos, sem esquecer a formação que proporcionamos aos estudantes de mestrado integrado em medicina e mestrado em reabilitação cardiovascular. No Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa, além de darmos resposta à investigação, um dos nossos pilares, damos também apoio a diversos projetos na comunidade, algo que o Laboratório Associado também defende.
Na sua perspetiva, qual a importância da criação de uma Rede de Investigação em Saúde? Que impacto o Laboratório Associado RISE poderá ter no setor da saúde e na investigação ligada a esta temática?
Uma Rede de Investigação em Saúde é essencial para, sobretudo, impulsionar a evolução científica e a prática no campo da saúde. É importante esta evolução científica para, posteriormente, a podermos aplicar na prática clínica, uma vez que esta vai também melhorar a qualidade dos cuidados que proporcionamos à nossa população e contribuir para o bem-estar geral da própria sociedade.
No que diz respeito à investigação, o RISE integra diversas instituições e facilita a colaboração entre os seus membros, promovendo sinergias e partilha de conhecimento, algo que não aconteceria se eu agisse de forma isolada e independente. A meu ver, esta colaboração é absolutamente fundamental e, como eu tinha já dito anteriormente, eu acho que é fascinante poder trabalhar desta forma multidisciplinar, tentando dar resposta a problemas atuais.
Que desafios sentiu, enquanto investigadora, ao integrar o Laboratório Associado? O que mudou no CCUL?
Eu acho que o RISE, devido à sua boa estrutura e organização, facilita o contacto com investigadores, estando também presente em eventos académicos, científicos, e eu diria que a sua disseminação e propostas de colaboração são bastante inclusivas. É claro que há desafios, não os vou negar, mas vejo-os como sendo algo bom para conseguirmos evoluir e avançar na nossa área de atuação. O Laboratório Associado RISE acaba por ser um facilitador para nós, investigadores, ao conseguirmos colaborar em sinergia, e por disponibilizar equipamentos de investigação em vários pontos do país, algo que é bastante promissor e interessante.
Eu diria que estar em rede torna-nos, certamente, mais fortes, nomeadamente se formos fazer alguma candidatura a projetos nacionais ou europeus, uma vez que aumenta a nossa capacidade de tentar implementar os resultados da nossa investigação para melhorar a saúde na comunidade.
O comportamento sedentário e a atividade física são alguns dos temas nos quais se debruça enquanto investigadora. Na sua perspetiva, que papel têm estes dois elementos na saúde dos portugueses?
Tanto o sedentarismo como a inatividade física são fatores de risco cardiovascular. No entanto, é importante perceber os conceitos porque, às vezes, os conceitos podem ser um pouco misturados.
Uma pessoa sedentária não quer dizer que seja uma pessoa fisicamente inativa (não cumpre com as recomendações da Organização Mundial de Saúde). Atividades como estar sentado, reclinado ou deitado são exemplos de comportamento sedentário. São conhecidos os vários benefícios que a prática de atividade física tem na saúde e, no caso das pessoas com doença cardiovascular e participantes em programas de reabilitação cardíaca, esta prática melhora o seu bem-estar e a sua condição física, algo que deverá ser usado a nível preventivo e conciliado com outras áreas. Dados do Eurobarómetro publicados em 2022 indicam que 73% dos portugueses nunca exercitam ou praticam desporto. As principais barreiras apontadas são a falta de tempo, de motivação ou de interesse pela prática desportiva. Tendo em contas estes dados, é realmente emergente atuar na melhoria dos níveis de atividade física dos portugueses. Quer o sedentarismo, quer a inatividade física são dos fatores de risco que mais contribuem para a mortalidade prematura e também contribuem para o aumento de novos casos de doenças não transmissíveis.
A nossa investigação está muito focada nesta parte comportamental, algo que é muito desafiante, uma vez que a pessoa tem de fazer uma modificação comportamental para poder realmente depois quebrar mais o seu tempo sedentário e melhorar os seus níveis de atividade física. No fundo, acabar por alterar um pouco o seu estilo de vida para realmente se sentir bem com ela mesma e conseguir estar longe, como nós dizemos sempre, dos hospitais, pelos bons motivos.
No CCUL, para além de termos um Laboratório dedicado à componente do exercício físico para dar resposta ao CRECUL, também trabalhamos em colaboração com o Laboratório de Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa para o componente da nutrição. Como referi anteriormente, é extremamente importante o trabalho multidisciplinar para que seja possível dar uma resposta eficiente às necessidades dos nossos doentes e população.