Entrevista | Nuno Vale

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Nuno Vale (CINTESIS@RISE), investigador principal do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) e líder do grupo de investigação PerMed, iniciou o seu percurso enquanto investigador em 2009, com a realização de um Pós-Doutoramento, tendo passado por iniciativas ligadas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), em Portugal e noutras Universidades Europeias.

Apesar de a Medicina ter sido a sua primeira ambição, foi nas áreas de Química Farmacêutica e Peptídica que encontrou o seu futuro na docência e investigação, tendo ingressado, em 1998, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Mais tarde, na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP), a sua formação foi centralizada na Farmacologia Molecular para Medicina Personalizada.

Ao investigador, sempre foi reconhecido um “perfil para ensinar”, tarefa que atualmente desempenha na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Além da docência e da investigação, Nuno Vale integra, desde outubro de 2023, a Comissão de Avaliação de Medicamentos (CAM), órgão consultivo do INFARMED — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde.

O Nuno Vale conta com um longo percurso enquanto docente e investigador. Quem foi o Nuno Vale antes do ingresso na docência e investigação? Como foi a sua infância? Como surgiu o seu interesse pela Farmacologia Molecular e Medicina Personalizada? Na sua visão, que impacto poderá a Medicina Personalizada ter nos Cuidados de Saúde?

Quando estudava, até final do Ensino Secundário, tinha como grande objetivo entrar no curso de Medicina, algo que não aconteceu. Eu gostava de ajudar e isso também se refletia nas diversas atividades que fui tendo na freguesia onde vivi, em Vila do Conde.

Eu gostava de estudar, algo que perdura até aos dias de hoje. Na minha infância, além da paixão pelo futebol, estive ligado a algumas iniciativas religiosas ao nível de Catequese e como animador de Grupo de Jovens.

Apesar destas atividades, sempre gostei de trabalhar nas atividades de Ciência Viva organizadas pela Câmara Municipal e ocupava uma grande parte das minhas férias de verão a trabalhar nestes eventos. Vila do Conde tem dos primeiros Centros de Ciência Viva do País que, ainda hoje, tem uma atividade bastante regular.

Quando acabei o curso de Química, ramo científico, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, aplicado à Química Farmacêutica e Biomédica, concorri a uma Bolsa de Doutoramento, sem realizar Mestrado, e, durante o período de espera pelos resultados da Bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), consegui dar aulas na Universidade e ser chamado para uma entrevista nos Laboratórios Bial, tendo sido selecionado para trabalhar no Laboratório de Desenvolvimento Farmacêutico, com principal destaque nos projetos ligados ao lançamento de novas entidades químicas para a epilepsia e doença de Parkinson. Durante esta experiência, trabalhei bastante na vertente farmacêutica e galénica de formulações já aplicadas em ensaios clínicos de fases I e II, algo que me tornou fascinado por este setor e, por isso, tinha de trabalhar em Farmacologia.

Entretanto saíram os resultados do concurso para a Bolsa de Doutoramento FCT e acabei por conseguir ter uma. Colocou-se a possibilidade de, durante a Bolsa, trabalhar na empresa, mas o meu superior, com quem abordei este assunto, questionou-me: “O Nuno não gosta muito de dar aulas? Se sim, deve regressar à Faculdade para fazer o seu Doutoramento”. E assim foi, voltei e foram quatro anos de imenso trabalho.

No dia seguinte à prova de defesa de Doutoramento, e contando com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, realizei um estágio científico na Faculdade de Farmácia da Universidade de Helsínquia, na Finlândia, para trabalhar em Farmacometria. Em Portugal não se desenvolvia estudos in silico na área da Farmacologia e por isso foi importante esta iniciativa porque, quando regressei, comecei logo a trabalhar estas áreas. Já quando estava na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, na investigação ou nas aulas práticas de Farmacologia, consegui reduzir o número de animais no laboratório para algumas experiências e, em muitos casos, não os usar. Foi uma fase importante para o impulso desta área da Farmacologia. Neste percurso, foi ainda possível a inclusão de dados fisiológicos dos pacientes centrados na vertente clínica e estava criada a tal designação que referi: Farmacologia Molecular e Medicina Personalizada.

Atualmente temos um desafio ainda maior: o impacto que esta área tem é tremendo e pode ajudar a transformar o setor da saúde. Nós podemos personalizar alguns conceitos-chave tanto quando acedemos aos cuidados de saúde, como após o resultado de um diagnóstico e decisão médica a tomar com base em estudos personalizados de genética e farmacológicos. Quando aplicamos a molécula responsável pela atividade farmacológica, o fármaco, sabemos como pode interagir com alvos específicos, como pode interagir com outros medicamentos, que reações podem ser observadas num paciente saudável, num doente específico, numa criança, numa grávida, no feto, enfim, em tantos casos clínicos que seria difícil descrever quase todos.

Gosto de desafios e com o desenvolvimento da Cátedra Convidada de Inovação em Oncologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, aliado à criação do Grupo de Investigação em Medicina Personalizada no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESES@RISE), estas áreas tiveram um impacto de desenvolvimento muito significativo. Na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), a próxima iniciativa coordenada por mim será o SPARK, um programa de transferência de inovação que pretende refletir a ligação com o mundo exterior através da translação do conhecimento. Um grande desafio!

Como surgiu a investigação na sua vida?
Após o segundo ano do curso de Licenciatura, eu tinha de optar pelo ramo científico ou educacional e, na altura, uma professora, depois de uma apresentação de grupo, disse-me que eu “tinha perfil para ensinar”, tendo-me aconselhado a optar pelo ramo científico. Apesar deste incentivo, a minha especialização foi na parte farmacêutica, com outra professora da Faculdade porque era a maior proximidade com a Medicina que eu procurava. Naquele ano, eu fui um dos quatro alunos a terminar o curso no período normal e por isso surgiu o convite para concorrer a Bolsa de Doutoramento. O espírito inicial para a investigação surge pela minha passagem pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), mas também pelos outros locais que já fui referindo, uma vez que para desenvolver a carreira académica é fundamental a investigação e entendo como natural essa associação.

Em outubro, foi indicado para integrar a Comissão de Avaliação de Medicamentos (CAM), órgão consultivo do INFARMED — Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde. Que desafios surgiram com este novo papel?

No ano que em estive em Lisboa, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL) para realizar a última fase do meu Doutoramento, participei em eventos organizados pelo INFARMED e algumas pessoas com que trabalhei eram membros da CAM. Passou algum tempo e, com as publicações científicas e comunicações nas Reuniões Científicas da Sociedade Portuguesa de Farmacologia, foi percetível que as áreas como metabolismo de medicamentos, farmacocinética, toxicologia, estudos clínicos, terapia de combinação, medicina personalizada poderiam ter um contributo meu nesta Comissão.

Eu penso que o maior desafio será demonstrar que existem estudos ou conceitos, já aplicados noutros países europeus e nos Estados Unidos da América, que podem ser também desenvolvidos aqui. Porquê? Porque precisamos de maior segurança, melhor aplicação terapêutica e otimização de custos e processos. Outro exemplo será um melhor entendimento do comportamento que medicamentos podem ter na população portuguesa. Estes são novos conceitos que podem ser explorados em alguns estudos, sem deixar de mencionar os parâmetros já habituais de componente química, toxicológica e farmacológica.

É investigador principal do PerMed – Medicina Personalizada do CINTESIS. Em que se centra o vosso trabalho? Que desafios vive enquanto líder da mesma?

Somos o primeiro grupo de investigação em Portugal com esta denominação e que está a desenvolver projetos que poderão ajudar a personalizar tratamentos ou terapias para diversas patologias, com principal destaque para o cancro. Em qualquer país, personalizar a medicina é um processo muito exigente e difícil, mas não deve ser apenas pensado para países com melhor definição económica do que Portugal.

O PerMed tem duas grandes linhas: a laboratorial e a in silico. Cada investigador tem um projeto único e na vertente laboratorial, executamos muitos projetos de reaproveitamento de fármacos com linhas celulares e modelos de combinação específicos. Na outra linha, usamos dados clínicos para os estudos personalizados envolvendo a simulação farmacológica in silico de base farmacocinética e fisiológica.

O desafio maior é a obtenção de verbas para financiamento da investigação, mas temos também uma grande preocupação em conseguir inovar, a partir dos nossos projetos. Não é por acaso que o tema da Cátedra Convidada é a Inovação em Oncologia e, também por isso, estou a colaborar de forma muito empenhada na nova Licenciatura da FMUP, em Saúde Digital e Inovação Biomédica. Eu diria que o maior desafio não é tanto investigar, mas sim inovar. É para aí que teremos de avançar, mantendo a motivação sempre presente, em mim e nos meus colaboradores!

Na sua perspetiva, qual a importância da criação de uma Rede de Investigação em Saúde? Que impacto pode o Laboratório Associado RISE poderá ter no setor da saúde e na investigação ligada a esta temática?

A importância é tanta que eu diria que é também uma oportunidade para o setor da Saúde português ter um Laboratório Associado como o RISE. Trabalhar em rede, com clínicos e não-clínicos, é algo fundamental para a medicina do futuro. Contamos com as Faculdades de Medicina do Porto e de Lisboa, assim como com Hospitais, uma vez que uma das Unidades de Investigação está sediada no IPO-Porto e isso é igualmente importante se pensarmos em áreas como a Medicina Personalizada.

Não menos importante é a capacidade que o RISE irá desenvolver para a verdadeira translação na saúde. Se antes alguns projetos poderiam representar esta temática, ter um Laboratório Associado que o represente totalmente é excecional. O desafio de aproximar as empresas pode ser, ao mesmo tempo, uma oportunidade. É por isso que eu acho que o RISE é também uma oportunidade para todos que pretendam ajudar a transformar a saúde em Portugal.

Que desafios sentiu, enquanto investigador, ao integrar o Laboratório Associado?

Os desafios são sempre elevados, mas devemos perceber que a competitividade na área da saúde é tremenda e qualquer projeto terá de ser único para ter sucesso. É o que está a acontecer no RISE. Temos dos melhores cientistas do mundo em determinadas áreas e precisamos de manter qualidade na investigação ou inovação que realizamos. Fazer isso em rede, com colaborações, com partilha é a base do RISE. Isso é, sem dúvida, fascinante.

Em termos práticos, os desafios maiores estão centralizados na obtenção de dados clínicos para a investigação, possibilidade de ter mais médicos a colaborar em projetos de investigação sem que isso prejudique o trabalho em hospital. Basicamente, reduzir em 30% o atendimento aos pacientes e transferir essa disponibilidade para a investigação clínica. Na minha opinião, isto seria um ganho para todos e para o sistema de saúde porque podemos caminhar para uma melhor aplicação de recursos existentes, uma melhor definição de estratégias inovadoras, maior número de casos clínicos para aulas, mais investimento para os Centros Académicos Clínicos pelo aumento do reconhecimento por parte dos promotores, aumento do número de ensaios clínicos de iniciativa do investigador, entre outros, certamente.